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Avaliação da viabilidade jurídica para a inclusão de elementos de mercado no cálculo do PLD

By : ana paiva |enero 27, 2016 |Monografías, Investigación y Desarrollo, Todas las Publicaciones |Comentarios desactivados en Avaliação da viabilidade jurídica para a inclusão de elementos de mercado no cálculo do PLD

IVANA COSTA NASSER

LEANDRO CÉSAR XAVIER DE CARVALHO

Avaliação da viabilidade jurídica para a inclusão de elementos de mercado no cálculo do plD

Monografia apresentada como requisito à conclusão do Curso de Extensão em Direito de Energia Elétrica da Universidade Cândido Mendes

Coordenador: Prof. Luiz Antonio Sanches

CURITIBA 2007

PARA VOCÊS

Léia Gorte Xavier de Carvalho, Atenor Xavier de Carvalho, Gislene Drosdek

Lara Nasser Morozowski, pela paciência e carinho com a mãe sempre ocupada

Turma da W!se Systems,

em especial à Priscila, pelo apoio e pelos cafezinhos sempre quentinhos e amorosos

OBRIGADO…

Aos colegas Prof. Marciano Morozowski Filho e Engo. César Lúcio Corrêa de Sá Jr. pelas numerosas contribuições e pelas profícuas discussões em torno do tema.

                                                      Em especial, ao Prof. Luiz Gustavo Kaercher Loureiro pela sua dedicação e orientação à distância nesse árduo trabalho de desvendar os “caminhos jurídicos” do Setor Elétrico Brasileiro.

                                                                                                                 Aos Orientadores do Curso de Extensão em Direito de Energia Elétrica da Universidade Candido Mendes que nos introduziram a esse mundo tão vasto do Direito.

“Como foi que você aprendeu tanto, Mullá ?”, perguntaram certa vez a Nasrudin.

“Falando muito”, respondeu ele.

“Vou colocando em sequência todas as palavras que me ocorram. Quando eu fico interessante, posso ver o respeito no rosto das outras pessoas. Na hora em que isso acontece, começo a tomar nota mentalmente do que disse”.

Tradição Oral

 


Sumário

Introdução. 7

Seção I – Características do Setor Elétrico Brasileiro. 8

Seção II – Dos contratos À Operação (I): Aspectos Técnicos da Operação Física e Comercial do SIN   11

Considerações Iniciais. 11

A Operação do SIN e o Modelo Brasileiro para a Formação de Preços. 13

A Formação de Preços de Longo e Médio Prazos.. 13

A Operação do SIN e a Formação de Preços de Curto Prazo… 15

Considerações Finais. 17

Seção III – Dos Contratos À Operação (II): A Configuração Jurídico-Regulatória. 20

O Aspecto Jurídico da Formação dos Preços de Curto Prazo e sua Vinculação ao Despacho e aos Demais Ambientes de Comercialização. 20

O Aspecto Jurídico da Qualificação do Despacho. 25

Seção IV – As questões sobre a formação de preços de curto prazo e suAs regras legais. 28

Considerações Gerais. 28

A congruência da Hipótese Aventada com os Princípios Jurídicos que regem o Setor Elétrico. 32

Seção V – Conclusões. 35

Referência Bibliográfica. 36

 

Resumo

A monografia tem por objeto a análise das normas jurídicas (legais e regulamentares) que contêm os comandos a serem observados na formação do preço da energia elétrica transacionada no mercado de curto prazo (o Preço de Liquidação de Diferenças – PLD).  Em base a tal análise, são avançadas sugestões de alteração da atual sistemática de formação do PLD, para que sejam aí considerados “elementos de mercado”, entendendo-se por tal o comportamento e as expectativas dos agentes econômicos acerca da situação atual e futura do abastecimento.  Considera-se que tal acréscimo não só é permitido como inclusive recomendado pelas normas jurídicas pertinentes, ao contribuir para uma maior eficientização das transações econômicas neste mercado.

Palavras-chave: Formação de Preço, Comercialização, Energia Elétrica

Introdução

Tanto em função das suas características físicas e institucionais como dos cenários regulatórios aos quais vem sendo submetido, o Setor Elétrico Brasileiro tem enfrentado uma instabilidade quase permanente ao longo da sua história.  Desprovido de um corpo de leis uniforme e com um futuro bastante incerto sob o ponto de vista do suprimento de energia, seu papel no desenvolvimento da sociedade brasileira, contudo, continua de extrema importância.

Uma das principais questões com a qual o setor vem se debatendo é o mecanismo de formação de preços para o mercado de curto prazo de onde resulta o Preço de Liquidação de Diferenças – PLD, cujo papel é de uma relevância inegável, na medida em que, além de compor as liquidações financeiras entre os agentes participantes do mercado (através da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), se constitui em uma das principais referências para as transações realizadas no Ambiente de Comercialização Livre – ACL.

Esta monografia tem por objetivo, de maneira bastante sumária, o estudo de tal mecanismo sob a perspectiva jurídica, com a finalidade de verificar se a atual sistemática incorpora ou observa os principais comandos jurídicos predispostos para tal escopo, sugerindo alguns pontos de reflexão que possam contribuir de maneira eficaz para uma evolução no aprimoramento da formação de preços de curto prazo, justificando-os em bases jurídicas e econômicas.

Seção I – Características do Setor Elétrico Brasileiro

A indústria da energia elétrica no Brasil é composta dos segmentos de geração, transmissão, distribuição e comercialização, sob um cenário de consumo anual verificado em torno de 300 TWh, praticado por cerca de 47 milhões de consumidores ou usuários do serviço de energia elétrica, e uma capacidade total de produção com cerca de 95.000 MW instalados, dos quais 75% são usinas hidroelétricas e 25% termoelétricas (dos quais, as nucleares respondem por 2.1%) (MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA, 2006).

A geração engloba todas as atividades da produção de energia, seja ela de origem hídrica, termoelétrica ou de fontes alternativas, incluindo a importação de países vizinhos.  Em termos físicos, a geração de energia elétrica no Brasil caracteriza-se por ser eminentemente hidroelétrica, com 118 usinas espalhadas em 12 bacias hidrográficas principais.

As usinas hidroelétricas, diversas delas instaladas em cascata em um mesmo rio e pertencendo a empresas diferentes, são despachadas, em sua maioria, de forma centralizada[1], de tal sorte que aquelas em melhores condições (armazenamentos maiores ou melhores condições de vazão afluente) possam produzir mais para compensar eventuais déficits de produção nas usinas sob condições hidrológicas desfavoráveis.

As usinas termoelétricas – nucleares, a gás natural, carvão e diesel – operam de forma complementar às hidroelétricas.  Isto é, como as hidroelétricas produzem cerca de 90% de toda a energia elétrica consumida no Brasil, o suprimento de eletricidade, e consequentemente o custo de geração, é fortemente relacionado às condições hidrológicas (vazões que afluem aos reservatórios) (HAMMONS; RUDNICK; BARROSO, 2002).  Assim, as barragens devem ser mantidas tão cheias quanto possível, de tal forma que, no período de estiagem, o estoque de água existente seja suficiente para produzir eletricidade de forma contínua.  Uma vez que, devido à dimensão do país e à sua diversidade climática, o período úmido pode ocorrer no verão ou no inverno, dependendo da região, o processo de produção de energia elétrica no Brasil (também chamado como operação do sistema gerador) é realizado de forma a tirar proveito de tais diferenças.  Nesse contexto, as usinas termelétricas são utilizadas para estabelecer esse tipo de controle, gerando complementarmente à produção hidroelétrica (e não prioritariamente), salvo em algumas situações (restrições elétricas, geração mínima obrigatória em função do contrato de combustível, etc.) – esse tipo de prática denomina-se “despacho otimizado” ou “despacho a custo mínimo”.

Durante muitos anos, o sistema brasileiro foi considerado de regularização plurianual (grandes reservatórios capazes de suportar uma estiagem por até cinco anos). Entretanto, em função da entrada em operação de um número cada vez maior de usinas a fio d’água (com pouca ou nenhuma capacidade de estoque), esse perfil vem sendo gradualmente modificado para períodos de regularização mais reduzidos, fazendo com que a complementação por parte das usinas termoelétricas se torne mais relevante.  Este fator é bastante importante para a formação do preço da energia no mercado de curto prazo: o tipo do perfil do parque gerador.

O gerenciamento das condições de abastecimento é uma das funções desempenhadas pelo ONS – o Operador Nacional do Sistema, órgão encarregado da coordenação das atividades de produção e transmissão (operação da rede básica), onde estão conectadas todas as centrais que são por ele despachadas (despacho centralizado) (OPERADOR NACIONAL DO SISTEMA ELÉTRICO, 2002).

Os segmentos de transmissão e distribuição se referem às atividades de transporte da energia e ambas são totalmente reguladas (com remuneração definida pelo poder concedente).  Enquanto a transmissão entrega a energia produzida aos principais centros de consumo, a distribuição realiza o transporte da energia até os usuários finais, a partir da fronteira com a rede de transmissão (denominada Rede Básica[2]).

O Sistema Interligado Nacional (SIN) compreende quatro subsistemas principais – Sul, Sudeste-Centro Oeste, Norte e Nordeste, que coincidem com as macro-regiões de comercialização (denominadas submercados) e diferenciam-se em termos de estrutura, característica do fluxo de carga, restrições elétricas relevantes e valores de PLD (preço de liquidação de diferenças).  Esses fatores estão fortemente relacionados entre si e isto se deve, dentre outras razões, às distâncias entre a geração e os centros de carga.  Algumas dessas restrições, por exemplo, influenciam as políticas de despacho das usinas (obrigando, por exemplo, o despacho de usinas termoelétricas próximas ao centro de carga[3]); outras causam diferença de preços nos submercados[4], afetando diretamente as decisões de comercialização, além de gerar encargos ao consumidor final (Encargos de Serviços do Sistema).

O último segmento, comercialização de energia, relaciona-se com as atividades inerentes à contratação de energia e revenda aos consumidores.  A estrutura do modelo de comercialização adotada no Brasil está descrita nos próximos itens.

A convergência dos segmentos de geração, transmissão e distribuição se dá no fornecimento de energia elétrica ao consumidor ou usuário final, passando por um minucioso processo de planejamento que se desenvolve em etapas, caracterizando duas grandes fases distintas entre si: o planejamento da expansão do sistema (longo, médio e curto prazo) (EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA, 2006)e a operação do sistema (planejamento da operação a médio e curto prazo, operação em tempo real e contabilização).  O planejamento da expansão compreende decisões de investimentos, definição de novas fontes de suprimento (no caso da geração) e instalações do sistema (no caso da transmissão e distribuição) com o objetivo de atender à demanda futura.  A operação do sistema, objeto do escopo deste trabalho, envolve todos os aspectos relativos ao suprimento de energia elétrica em cada instante através dos recursos disponíveis (geração, transmissão e distribuição), culminando com o despacho em tempo real[5].  A atividade de comercialização desenvolve-se de forma concomitante, permeando esse processo temporal e fazendo com que os contratos de compra e venda de energia se desenvolvam sob diferentes condições e prazos.

Seção II – Dos contratos À Operação (I): Aspectos Técnicos da Operação Física e Comercial do SIN

Considerações Iniciais

O despacho do sistema é a atividade resultante de todo o processo de planejamento (longo, médio e curto prazo) da operação do sistema elétrico e define, em linhas gerais, a cada instante, a quantidade a ser produzida por cada unidade geradora, o fluxo de potencia nas linhas de transmissão, monitorando o nível de carga do sistema, a frequência e a tensão resultantes.  Em geral, esse conjunto de atividades é conduzido por um organismo independente, denominado Operador do Sistema (ISO, “independent system operator”), cuja estrutura difere de país para país, de acordo com as características intrínsecas do seu sistema.

O aspecto econômico do despacho mais explicitamente considerado, vinculando-o a um modelo de comercialização específico, é razoavelmente recente.  Resultou de uma onda de desregulamentação em várias regiões do mundo (Países Nórdicos, Inglaterra, Estados Unidos, Europa, Argentina, Chile, etc.), há cerca de vinte anos.  A partir daí, a energia elétrica passou a ser considerada sob uma outra visão: a ótica de mercado (HUNT; SHUTTLEWORTH, 1996),(STOFT, 2002), em função da insatisfação generalizada com a remuneração pelo custo do serviço.  Esta é uma longa história na qual já se experimentaram todos os tipos de emoção: da euforia à completa depressão, principalmente em situações de crise de abastecimento, como a da Califórnia, em Junho de 2000.  Muitos desses modelos foram revistos, sofrendo adaptações ao longo do tempo a fim de que um novo ponto de equilíbrio pudesse ser alcançado (BORENSTEIN, 2002),(RUDNICK, 2001); entretanto, uma das características comuns aos mercados de energia elétrica desses países foi a presença, desde o início da sua organização, de mecanismos oriundos do mercado financeiro como forma de promover a proteção às variações de preço (SÁ, 1999).

O ponto central dessa questão, todavia, reside no fato de que, qualquer que seja a estrutura de mercado adotada para a energia elétrica, é fisicamente impossível identificar o par produtor-consumidor – os produtores entregam a energia em uma rede que a transmite até os pontos de consumo, os quais podem estar localizados em qualquer lugar dessa mesma rede.  Inúmeros outros aspectos contribuem para que a comercialização da energia elétrica não seja trivial.  Mais do que tudo, busca-se preservar o equilíbrio do mercado que, neste caso, se resume a: o nível instantâneo de produção deve ser tal que a demanda seja atendida sob determinados padrões de qualidade (tensão e freqüência adequadas).  Este princípio físico deve ser perseguido e mantido a qualquer custo, sob o risco, in extremis, de caos social.

O processo se desenvolve em uma escala de tempo bastante abrangente e variável.  Isto é, se inicia anos antes e continua até o tempo real, no momento em que a energia é produzida e entregue à carga.  São inúmeros mercados que se sobrepõem, combinando diferentes arranjos, com diferentes prazos.  A literatura internacional (HUNT; SHUTTLEWORTH, 1996),(STOFT, 2002) cita, por exemplo: (a) os mercados futuros (“forward markets”), os quais negociam contratos com um a dois anos de antecedência (com base nos “forward prices”); (b) os “day ahead markets”, que negociam energia com um dia de antecedência (são os chamados mercados do dia seguinte, cujos preços são negociados um dia antes) e geralmente são gerenciados pelo operador do sistema; etc.  Esses mercados são classificados como mercados financeiros uma vez que não envolvem necessariamente entrega física da energia por parte do vendedor ele próprio.  Isto é, a entrega da energia é opcional por parte do vendedor e sua única obrigação é financeira.  Caso a energia não seja entregue (em função de o vendedor não possuir a energia, por exemplo), o vendedor deve comprar energia extra ou pagar a liquidação.  O comprador, neste caso, irá receber ou a energia entregue pelo vendedor ou uma compensação financeira (denominada “liquidação das perdas”, já que as perdas do consumidor são expressas como uma soma líquida, financeira).  Como os consumidores estão sempre conectados à rede, caso o contrato futuro não seja cumprido, a energia é entregue de qualquer forma e esse custo cobrado do consumidor é repassado ao vendedor (via liquidação das perdas).  Em ambos os casos (entrega ou não pelo vendedor), a obrigação é cumprida financeiramente.

Existe ainda o mercado em tempo real (“real time market”), também conduzido pelo operador do sistema; trata-se de um mercado “físico”, pois a comercialização envolve os fluxos reais de energia.  Este é o chamado “mercado spot”.  É no mercado spot onde as empresas supridoras compram a energia que foi negociada no mercado do dia seguinte, por exemplo, e não produziram, por qualquer razão.  Pagam o preço do mercado em tempo real ou o chamado “preço spot”.  Este tipo de mecanismo é chamado de sistema de dupla liquidação.  Isto é, a primeira liquidação é feita no mercado de futuros (quantidade contratada ao preço negociado nos contratos) e a segunda liquidação (quantidade gerada menos quantidade contratada) é realizada no mercado spot (ao preço spot).

Em resumo, o fato é que, em relação aos mercados internacionais, a formação de preços incorpora totalmente a percepção de mercado dos agentes, quer no estabelecimento dos contratos futuros quer no que se refere ao mercado spot, através do despacho por oferta de preços.  De acordo com SÁ (2001, p. 13), referindo-se aos mercados em tempo real, “todos estão organizados sob a forma de ofertas de preço, onde geradores e carga submetem suas curvas de oferta e demanda, e o organismo responsável pela gerência do mercado determina os despachos e o preço resultante dessa operação.  Toda a liquidação é feita pelo gerente do mercado.”

Stoft pondera que “é consenso quase universal que o operador do sistema deve gerir o mercado em tempo real e que a demanda para serviços ancilares deve ser determinada por uma autoridade central.  Mas os serviços de programação de unidades[6] e gerenciamento de contingências têm causado uma grande controvérsia”  (STOFT, 2002, trad. por: autores).

Para os que se posicionam favoravelmente à tese de que o operador deve programar o despacho, o argumento é que tais atividades estão diretamente conectadas em função de práticas históricas do operador do sistema.  Ressalta-se que dar liberdade ao agente de estabelecer a sua própria programação de despacho significa dar a ele a possibilidade de definir o preço da sua geração.  Neste caso, o papel do operador se resume em “coordenar” o despacho.  Isto é, dado um conjunto de preços e quantidades, o operador escolhe a usina por uma “ordem de mérito” (a usina mais barata despacha antes).  Esse tipo de procedimento é conhecido como despacho comercial (“loose pool”), uma vez que é dada ao agente a prerrogativa de definir o seu preço.

A Operação do SIN e o Modelo Brasileiro para a Formação de Preços

O setor elétrico brasileiro é composto por agentes públicos e privados cujas concessões para exploração do potencial hidroelétrico situam-se, em alguns casos, em uma mesma bacia, com regime hidrológico bastante distinto de outros rios em diferentes regiões, levando, muitas vezes, a interesses distintos.  Em função dessas e outras razões históricas, a relação entre a formação de preços no Brasil e a operação do SIN é bastante peculiar , conforme se descreve a seguir.

A Formação de Preços de Longo e Médio Prazos

Estabelecendo-se um paralelo entre o modelo brasileiro e as práticas internacionais descritas na literatura (supracitadas de forma resumida), pode-se dizer que o mercado de futuros é substituído pelos ambientes de comercialização criados a partir da Lei no. 10.848/2004 e regulamentados pelo Decreto no. 5163/2004: (a) o Ambiente de Contratação Regulada (ACR), no qual as distribuidoras de energia elétrica contratam, compulsoriamente, 100% de sua demanda via leilões de venda de energia[7]; e (b) o Ambiente de Contratação Livre (ACL), destinado aos contratos bilaterais livremente negociados entre geradores concessionários de serviço público, produtores independentes, autoprodutores[8], comercializadoras, e consumidores livres (SAUER, 2003), (MAGALHÃES, 2005).

Em ambos os ambientes são estabelecidos contratos cuja liquidação se realiza no mercado de curto prazo, conforme detalhado no próximo capítulo.  No caso do ACR, a contratação dá-se através de um “pool” – isto é, todos os distribuidores compram de todos os geradores e a comercialização se efetiva através de leilões de energia[9].  O ACL é o que mais se assemelha, em termos regulatórios, ao desenho do mercado de futuros, com a exceção de que aqui não existe o “day-ahead market”.  Isto porque, os contratos no ACL são bilaterais (negociados entre duas partes) e refletem suas expectativas sobre as futuras condições do mercado.  É permitida aos comercializadores a venda de energia através de leilões em formatos diferentes daqueles do ACR.  Esse mecanismo, além de aprimorar a competição, mitiga possíveis riscos de poder de mercado por parte dos geradores (elevação exagerada de preços).

O preço praticado no ACR é o preço médio final de todos os geradores – sempre o menor valor (resultante do leilão).  No ACL, o preço da energia tem uma composição diversa em se tratando dos prazos dos contratos.  Nos contratos de curto prazo, em geral, a formação do preço tem como referência o PLD acrescido de um percentual (em torno de 15 a 20% ou mais, dependendo do comercializador).  Contratos mais longos praticam os preços da energia existente, oriundos dos leilões de energia existente, com um determinado desconto.  Os valores exatos são pactuados entre as partes e, via de regra, são confidenciais.  Além disso, os preços podem considerar a tarifa do uso da rede básica e os custos de conexão[10].

Os comandos jurídicos para a formação de preços no longo prazo estão citados na seção Considerações Finais.

A Operação do SIN e a Formação de Preços de Curto Prazo

Diferente de outros países, o Brasil não adotou uma estrutura de mercado em tempo real (“real time market”).  Em outras palavras, enquanto a experiência internacional adota modelos como, por exemplo, despacho por ordem de mérito[11] (conduzido pelo operador independente), com caráter comercial, a operação do SIN é realizada por um processo centralizado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), cuja criação se deu através da Lei no. 9.648/98, desvinculado de qualquer caráter comercial.  Ao contrário, a princípio foi vedado ao ONS o caráter comercial da atividade, tal como explicitado no Decreto no. 2.655/98, no seu Art. 25º. § 5º: “O ONS não poderá desempenhar qualquer atividade comercial de compra e venda de energia elétrica.” Ressalta-se que este artigo foi completamente revogado pelo Decreto no. 5.081/04 (maiores comentários a esse respeito na próxima seção).  Esse despacho tem sua sistemática baseada nos procedimentos do Grupo de Coordenação para Operação Interligada (GCOI), cujas atividades foram absorvidas pelo ONS, de acordo com a Resolução ANEEL no. 351, de 11/11/98.

Optou-se por adotar no Brasil o chamado “despacho técnico”, onde os geradores hidroelétricos declaram ao ONS a disponibilidade de cada central geradora, enquanto que os geradores termoelétricos informam, além da disponibilidade das centrais, os respectivos custos variáveis de geração, sujeitos à auditoria pela ANEEL[12].  Esse tipo de despacho, também conhecido como “tight pool”, assume como pano de fundo uma estrutura de mercado (leia-se modelo de comercialização) denominada “pool” (ver nota de rodapé no. 9).

O argumento que se coloca no Brasil para a adoção do despacho técnico (onde os agentes possuem pouca ingerência sobre o despacho das suas próprias usinas) em detrimento do despacho comercial é o de que existe uma incompatibilidade entre oferta de preço e despacho otimizado, o que não é necessariamente verdadeiro, uma vez que podem se estabelecer mecanismos que garantam tal condição (BARROSO et. al, 2006), (VEIGA et. al, 2005).  A formação do preço de curto prazo (denominado PLD – preço de liquidação de diferenças) é tarefa da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE, conforme legislação apresentada na seção a seguir.  As diferenças contabilizadas ao PLD e liquidadas resultam dos contratos negociados no ACL e ACR[13] e dos valores medidos da geração e do consumo (oriundos do despacho real do sistema).

Ressalta-se, entretanto, que as quantidades liquidadas não correspondem totalmente às quantidades físicas ou aos fluxos reais de energia (isto é válido apenas para as usinas termoelétricas).  No caso das usinas hidroelétricas existe o Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), o qual substitui, quando da contabilização e liquidação, a geração real da usina pela sua energia alocada resultante[14]

O PLD é calculado com base em um despacho “ex-ante”, uma semana antes da operação real do sistema[15].  Resulta diretamente da determinação do Custo Marginal de Operação do Sistema (CMO) previsto[16] (SILVA, 2001), o qual, por sua vez, é calculado por um modelo computacional que utiliza técnicas de otimização para definir a política operativa do sistema[17] com uma semana de antecedência, considerando valores distintos para cada patamar de carga e para cada submercado.  Incorporam-se, a partir daí, em seguida, os limites ao CMO tal como determina a legislação[18].

Conforme já citado, além de ser utilizado na contabilização e liquidação da CCEE (CÂMARA DE COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA, 2007) o PLD tem papel relevante no mercado de energia elétrica, pois serve de balizador para a formação dos preços do ACL no horizonte de longo, médio e curto prazos.

Considerações Finais

O marco regulatório do Setor Elétrico Brasileiro, que teve seu desenho final concluído com a Lei 10.848/04, estabeleceu os seguintes objetivos setoriais:

  • Modicidade tarifária: socialização da energia, competitividade da economia;
  • Segurança de suprimento: desenvolvimento econômico sustentável;
  • Inserção social: programas de universalização de atendimento;
  • Estabilidade do Marco Regulatório: atração de investimentos para a expansão do sistema.

A fim de se cumprirem tais objetivos, introduziram-se as seguintes mudanças (Decretos no. 5163/04; nº 5.175/04; nº 5.184/04, dentre outros):

  • a reestruturação do planejamento de médio e longo prazo;
  • o monitoramento, no curto prazo, das condições de atendimento;
  • o redirecionamento da contratação de energia para o longo prazo, compatível com a amortização dos investimentos realizados;
  • a competição na geração com a licitação da energia pelo critério de menor preço;
  • a coexistência de dois ambientes de contratação de energia, um regulado (Ambiente de Contratação Regulada – ACR), protegendo o consumidor cativo, e outro livre (Ambiente de Contratação Livre – ACL), estimulando a iniciativa dos consumidores livres;
  • a instituição de um pool de contratação regulada de energia a ser comprada pelos concessionários de distribuição;
  • a desvinculação do serviço de distribuição de qualquer outra atividade;
  • a previsão de uma reserva conjuntural para restabelecimento das condições de equilíbrio entre oferta e demanda;
  • a restauração do papel do Executivo como Poder Concedente.

A questão da segmentação da comercialização de energia foi um dos focos da ação do governo para garantir o princípio da modicidade tarifária, principalmente no que se refere à formação do preço no ACR, através da licitação da energia pelo critério de menor preço, uma vez que este ambiente responde por cerca de 75% do consumo do país.  O princípio da segurança do suprimento foi contemplado, também com essa estrutura, na obrigação por parte dos agentes de consumo (empresas distribuidoras e consumidores livres) de manter 100% da sua demanda contratada via contratos de suprimento totalmente lastreados por garantias físicas[19]. (PEDROSA, 2005)

Em nosso entendimento, a formação de preços no longo e médio prazos tem conseguido cumprir os dispositivos legais e regulamentares estabelecidos[20] e não será objeto da nossa análise neste trabalho, embora se reconheça que o impacto crescente do ACL possa vir a obrigar, no futuro, algum tipo de ajuste nessa estrutura.[21].

Com base na observação dos contornos da formação de preço para o mercado de curto prazo já expostos, procurar-se-á, nas próximas seções, refletir sobre as seguintes questões:

  • o processo de formação de preços de curto prazo no Brasil é satisfatório, preservando todos os princípios estabelecidos pelo marco regulatório atual ?
  • há algum espaço na estrutura legal ou regulamentar para eventuais alterações, caso a resposta anterior se configure como negativa?
  • caso a primeira resposta demonstre a plena adequação do processo, em que contexto se coloca o despacho das térmicas fora da ordem de mérito, prática recentemente admitida pela ANEEL[22]?

Seção III – Dos Contratos À Operação (II): A Configuração Jurídico-Regulatória

Antes de discutirmos as questões colocadas na seção anterior, faz-se necessária uma reflexão sobre esses pontos à luz do contexto jurídico.

O Aspecto Jurídico da Formação dos Preços de Curto Prazo e sua Vinculação ao Despacho e aos Ambientes de Comercialização

Os ambientes ACL e ACR vinculam-se com o mercado de curto prazo, administrado pela CCEE, e os contratos negociados nesses ambientes são liquidados em uma estrutura de “mercado de liquidação de diferenças”, conforme os comandos jurídicos descritos a seguir:

Lei no. 10.438/2002, com redação alterada pela Lei no. 10848/2004 (Art. 13)[23]:

“Art. 28. A parcela de energia elétrica que não for comercializada nas formas previstas no art. 27 desta Lei poderá ser liquidada no mercado de curto prazo do CCEE.”

Decreto 5.163/2004:

“Art. 56. Todos os contratos de compra e venda de energia elétrica firmados pelos agentes, seja no ACR ou no ACL, deverão ser registrados na CCEE, segundo as condições e prazos previstos em procedimento de comercialização específico, sem prejuízo de seu registro, aprovação ou homologação pela ANEEL, nos casos aplicáveis.

Parágrafo único. A CCEE poderá exigir a comprovação da existência e validade dos contratos de que trata o caput.”

“Art. 57. A contabilização e a liquidação mensal no mercado de curto prazo serão realizadas com base no PLD”.

“Art. 58. O processo de contabilização e liquidação de energia elétrica, realizado segundo as regras e os procedimentos de comercialização da CCEE, identificará as quantidades comercializadas no mercado e as liquidadas ao PLD”.

Tal vinculação faz com que toda e qualquer energia não registrada via contratos pré-estabelecidos esteja sujeita à contabilização/liquidação automática pelo preço do mercado de curto prazo (PLD), o que significa exposição às incertezas no comportamento desse preço (esse raciocínio é válido para todos os tipos de contrato, inclusive aqueles negociados no ACR).  Esta observação é pertinente (ainda que suscite uma situação inverossímil, já que existe a obrigação legal do registro) para que mais uma vez se situe a importância do PLD na estrutura de comercialização[24].

Um outro vínculo estabelecido é aquele entre a formação do PLD e o despacho, conforme estabelecido pelos seguintes instrumentos jurídicos:

Decreto no. 2655/1998 em sua redação original (grifos nossos):

“Art 13. Para efeito de determinação dos preços da energia elétrica no mercado de curto prazo serão levados em conta os seguintes fatores:

I – a otimização do uso dos recursos para o atendimento aos requisitos da carga, considerando as condições técnicas e econômicas para o despacho das usinas;

II – as previsões das necessidades de energia dos agentes,

III – o custo do déficit de energia;

IV – as restrições de transmissão;

V – a redução voluntária da demanda em função do preço de curto prazo;

VI – as interligações internacionais.

Art 14. Os preços do mercado de curto prazo serão determinados para intervalos previamente definidos, que reflitam as variações do valor econômico da energia elétrica.

Parágrafo único. Um preço adicional, associado à capacidade das usinas geradoras, poderá ser introduzido, como incentivo à potência gerada ou posta à disposição do sistema elétrico.

Art 15. Os preços do mercado de curto prazo serão determinados separadamente, por áreas de mercado, segundo as regras do Acordo de Mercado.

§ 1º O critério determinante para a definição das áreas de mercado será a presença e duração de restrições relevantes de transmissão nos fluxos de energia dos sistemas interligados.

§ 2º O preço em cada área de mercado levará em conta o ajuste de todas as quantidades de energia pela aplicação do fator de perdas de transmissão, relativamente a um ponto comum de referência, definido para cada área de mercado.”

A Lei no. 9648/98, regulamentada por esse decreto, não estabelece em sua redação original a ligação entre o PLD e o despacho (Art. 14º. [25]).  Ao contrário, transfere o comando para o decreto, o qual, no Art. 13º. Inciso I cumpre tal determinação.  No Art. 15 § 2º isto se dá de forma indireta, uma vez que o fator de perdas de transmissão é calculado após a realização do despacho[26].

Entretanto, neste ponto há que se considerar que até 1998, a relação entre o despacho e a formação de preços de curto prazo é regulamentada de uma forma ampla e não estrita.  O caput do Art. 13º. , supra-citado, explicita “serão levados em conta os seguintes fatores”.

Ainda em relação a este mesmo decreto, o Inciso I (“a otimização do uso dos recursos para o atendimento aos requisitos da carga, considerando as condições técnicas e econômicas para o despacho das usinas”) traz a possibilidade de que o despacho das usinas, além da vinculação com o PLD, possa conter aspectos econômicos (ou de mercado), introduzindo um outro elemento para a sua interpretação: o despacho pode ser realizado sob uma ótica de mercado e o PLD é o preço resultante dele.  O fator condicionante da “otimização” em nada restringe o aspecto econômico.  Pode-se mesmo considerar a abertura para um mercado em tempo real, uma vez que não se adjetiva o despacho (despacho em tempo real, despacho verificado, etc).  A análise da qualificação do despacho torna-se um fator importante e está desenvolvida no próximo item.

De maneira diversa à Lei 9648/98, a Lei 10.848/04 não transfere totalmente ao regulamento a questão do tratamento da relação “despacho-formação de preços de curto prazo”.  Embora o faça no seu Art. 1º. (ver Nota de Rodapé no. 25), define qual a direção a ser dada a esta matéria, conforme se comprova a seguir:

Lei 10.848⁄2004[27]: (grifo nosso)

“Art 1. § 5o Nos processos de definição de preços e de contabilização e liquidação das operações realizadas no mercado de curto prazo, serão considerados intervalos de tempo e escalas de preços previamente estabelecidos que deverão refletir as variações do valor econômico da energia elétrica, observando inclusive os seguintes fatores:

I – o disposto nos incisos I a VI do § 4o deste artigo;

II – o mecanismo de realocação de energia para mitigação do risco hidrológico; e

III – o tratamento para os serviços ancilares de energia elétrica.”

Se o Decreto no. 2.655/98 não foi restritivo a respeito dessa vinculação, muito menos assim se caracteriza a Lei no. 10.848⁄04.  Isto é, o Art. 1º. § 5o explicita “observando inclusive os seguintes fatores”.  O termo “inclusive” amplia consideravelmente a formação dos preços de curto prazo a partir de 2004.  Isto é, a consideração dos incisos I a III é inclusiva e não exclusiva, o que mais uma vez corrobora a tese de que aspectos de mercado podem ser incluídos no PLD.  Esta condição, aliás, está recomendada na frase “que deverão refletir as variações do valor econômico da energia elétrica”[28]A regulamentação atual mantém o mesmo grau de vinculação entre o despacho e a formação do PLD, introduzindo algumas especificidades, porém sem torná-las restritivas, conforme se segue:

Decreto 5.163⁄04: (grifo nosso)

“Art. 57. A contabilização e a liquidação mensal no mercado de curto prazo serão realizadas com base no PLD.

§ 1º O PLD, a ser publicado pela CCEE, será calculado antecipadamente, com periodicidade máxima semanal e terá como base o custo marginal de operação, limitado por preços mínimo e máximo, e deverá observar o seguinte:

I – a otimização do uso dos recursos eletroenergéticos para o atendimento aos requisitos da carga, considerando as condições técnicas e econômicas para o despacho das usinas;

II – as necessidades de energia elétrica dos agentes;

III – os mecanismos de segurança operativa, podendo incluir curvas de aversão ao risco de déficit de energia;

IV – o custo do déficit de energia elétrica;

V – as restrições de transmissão entre submercados;

VI – as interligações internacionais; e

VII – os intervalos de tempo e escalas de preços previamente estabelecidos que deverão refletir as variações do valor econômico da energia elétrica.

§ 2º O valor máximo do PLD, a ser estabelecido pela ANEEL, será calculado levando em conta os custos variáveis de operação dos empreendimentos termelétricos disponíveis para o despacho centralizado.

§ 3º O valor mínimo do PLD, a ser estabelecido pela ANEEL, será calculado levando em conta os custos de operação e manutenção das usinas hidrelétricas, bem como os relativos à compensação financeira pelo uso dos recursos hídricos e royalties .

§ 4º O critério determinante para a definição dos submercados será a presença e duração de restrições relevantes de transmissão aos fluxos de energia elétrica no SIN.

§ 5º O cálculo do PLD em cada submercado levará em conta o ajuste de todas as quantidades de energia pela aplicação do fator de perdas de transmissão, relativamente a um ponto comum de referência, definido para cada submercado.

§ 6º A liquidação no mercado de curto prazo far-se-á no máximo em base mensal.”

Tais especificidades estabelecem que (a) o preço será “ex-ante” porém sem definir estritamente o seu horizonte de cálculo – “será calculado antecipadamente, com periodicidade máxima semanal”; é cabível aqui a interpretação de que o PLD deve ser calculado com, no máximo, uma semana de antecedência, o que permite então a introdução de preços calculados até cinco minutos antes do despacho, por exemplo; (b) um dos elementos contidos no PLD deve ser o custo marginal de operação – “e terá como base o custo marginal de operação limitado por preços mínimo e máximo”  (e não exclusivamente o próprio com os limites aplicados conforme se adota atualmente); também não se limita o seu horizonte temporal, o que não descarta a hipótese de o PLD considerar, por exemplo, o custo marginal de operação relativo ao despacho em tempo real.

O Aspecto Jurídico da Qualificação do Despacho

Neste item procura-se identificar a existência de comandos legais e/ou regulamentares que restrinjam o despacho à qualidade de despacho técnico, com vistas a uma possível evolução do modelo de tal forma que o preço de liquidação venha ser uma conseqüência natural.

A qualidade de despacho centralizado está citada na Lei no. 9.648/98, porém sem uma definição que direcione o termo a, especificamente, se referir a um despacho exclusivamente técnico.  Na sua redação original, traz o seguinte texto:

Lei no. 9.648/98 (redação original):

“Art. 13. As atividades de coordenação e controle da operação da geração e transmissão de energia elétrica nos sistemas interligados serão executadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico, pessoa jurídica de direito privado, mediante autorização da ANEEL, a ser integrado por titulares de concessão, permissão ou autorização e consumidores a que se referem os arts. 15 e 16 da Lei no 9.074, de 1995.

Parágrafo único. Sem prejuízo de outras funções que lhe forem atribuídas em contratos específicos celebrados com os agentes do setor elétrico, constituirão atribuições do Operador Nacional do Sistema Elétrico:

a) o planejamento e a programação da operação e o despacho centralizado da geração, com vistas a otimização dos sistemas eletroenergéticos interligados;

b) a supervisão e coordenação dos centros de operação de sistemas elétricos;

c) a supervisão e controle da operação dos sistemas eletroenergéticos nacionais interligados e das interligações internacionais;

d) a contratação e administração de serviços de transmissão de energia elétrica e respectivas condições de acesso, bem como dos serviços ancilares;”

A atual redação deste dispositivo foi dada pela Lei 10.848⁄04, mantendo, todavia, inalterada a abrangência empregada para a denominação “despacho centralizado”[29].  O Decreto no. 2655/98 qualifica o despacho indiretamente no já citado Art 13º. Inciso I, reescrito abaixo:

“Art 13. Para efeito de determinação dos preços da energia elétrica no mercado de curto prazo serão levados em conta os seguintes fatores:

I – a otimização do uso dos recursos para o atendimento aos requisitos da carga, considerando as condições técnicas e econômicas para o despacho das usinas;”

Esta mesma qualificação adicional é mantida pela Lei no. 10.848⁄04, porém de forma mais explícita em função do contexto em que está inserida, embora sendo a mesma frase (grifo nosso):

“§ 4º Na operação do Sistema Interligado Nacional – SIN, serão considerados:

I – a otimização do uso dos recursos eletroenergéticos para o atendimento aos requisitos da carga, considerando as condições técnicas e econômicas para o despacho das usinas;

II – as necessidades de energia dos agentes;

III – os mecanismos de segurança operativa, podendo incluir curvas de aversão ao risco de deficit de energia;

IV – as restrições de transmissão;

V – o custo do deficit de energia; e

VI – as interligações internacionais.”

Tais qualificações não constam, todavia, do Decreto no. 5.081/04 que regulamentou tal lei.  Citam-se apenas neste decreto as atribuições do ONS e a sua composição[30].

Com base neste comando legal, cabe a interpretação de que o despacho, embora centralizado no ONS, possa ter um caráter econômico, permitindo aos agentes a sua oferta de preços.  Esta afirmação é corroborada pelos textos do Decreto 5.163/04 (Art. 57º. inciso I, apresentado no item anterior e que contém a frase “considerando as condições técnicas e econômicas para o despacho das usinas”) e pelos textos do Decreto 5.081/04 (Art 3º. Inciso I)30.

Seção IV – As questões sobre a formação de preços de curto prazo e suAs regras legais

Considerações Gerais

Alguns aspectos do modelo institucional aqui apresentados, como por exemplo, o despacho do Sistema Interligado Nacional, guardam características de funcionamento e organização do setor elétrico de algumas décadas, não propriamente por resultados de absoluto sucesso, mas em função de modelos mentais aprendidos sob um contexto político e sócio-economico bastante distinto do atual.

O princípio do rateio dos ônus e benefícios, classificado como uma “síndrome” por alguns, ou característica, por outros, está impregnado em vários pontos do modelo institucional vigente (e anteriores) e ainda que se introduzam novos elementos, vários fatores nos mantêm atrelados a ele, a nosso ver, todos conectados, voltamos a dizer, ao nosso modelo mental.  As perguntas formuladas na Seção III versam sobre o tema escolhido por esta monografia que é um dos exemplos mais concretos desse tipo de perpetuação no Setor Elétrico.

Do ponto de vista jurídico, as leis e os decretos tratam esta matéria com atos discricionários, isto é, entendemos que nos instrumentos jurídicos apresentados existe certa margem de liberdade de decisão, tanto no que se refere ao despacho (ser centralizado e possuir aspectos econômicos) como à própria formação do PLD (e sua vinculação temporal com o despacho).  Assim, o fato de não se adotar um despacho comercial no Brasil e o PLD ser produto de um modelo computacional[31] sem que os agentes participantes do mercado (por livre adesão, ressalta-se) tenham a oportunidade de manifestar concretamente a sua própria percepção sobre o preço do produto que comercializam, não se configura propriamente uma situação de infração às regras estabelecidas.  O que não significa, entretanto, que a solução vigente cumpra as recomendações legais e regulamentares de forma satisfatória.  Questiona-se, por exemplo, se os princípios da transparência, da isonomia e da eficiência têm sido mantidos, já que:

a)        não existe um procedimento estabelecido de auditoria de sistemas para o código computacional utilizado nas ferramentas adotadas tanto no despacho como no cálculo dos preços de curto prazo[32];

b)        o despacho de usinas termoelétricas fora da ordem de mérito, tratada pela Resolução da Aneel no. 237/2006[33] poderá introduzir distorções no PLD, aumentando ainda mais a distancia atual entre o preço do mercado de curto prazo e o custo real do despacho, além de privilegiar uma determinada categoria de agentes, caso não se observe a transitoriedade da regra.  Cita-se o parecer jurídico de COELHO (2007, p. 27 a 32) sobre este assunto:

“II.5. […]

II.5.2. A proposta objeto da Audiência Pública nº 006/2007 e os princípios da isonomia e da livre concorrência

62. A efetivação da proposta objeto da Audiência Pública nº 006/2006 também faria com que as usinas térmicas beneficiadas fossem os únicos agentes de geração que, a um só tempo, teriam controle sobre sua produção e perceberiam os bônus do despacho centralizado.

63. Na NT 3/032/2007, o ONS ressalta que “o agente de geração térmica somente poderá efetuar geração térmica adicional para compensar indisponibilidades futuras de combustível quando sua geração térmica despachada fora da ordem de mérito de custo exceder à inflexibilidade declarada para o cálculo de sua garantia física, cujos valores e procedimentos devem estar em conformidade com o estabelecido pelas Resoluções emitidas pela ANEEL”.

64. Ocorre que, fora essa restrição, a usina térmica passaria a decidir o momento em que iria gerar, ou seja, seria o único agente sujeito a despacho centralizado que detém controle de sua produção.

65. Essa prerrogativa de operação teria repercussão comercial e financeira, pois a térmica poderia gerar em um momento de PLD inferior a seu custo – fase de “Ida” – e receberia o valor correspondente a seu custo de geração quando a hidrelétrica do MRE gerasse em seu lugar.

66. Ademais, a proposta em tela também subverteria a ordem estabelecida na Resolução nº 433/03. Consoante destacado, os artigos 2º, inciso II, e 6º dessa Resolução estabelecem que a operação comercial das usinas pressupõe a disponibilização da energia ao sistema.

67. É certo que, por vezes, uma unidade geradora fica indisponível, mas a regra é a disponibilidade, ao passo que a indisponibilidade é eventual, episódica.  Com a efetivação da proposta sob exame, a disponibilidade seria episódica e asseguraria a indisponibilidade da usina térmica em momentos em que ela deveria gerar.

68. Não há como deixar de reconhecer que a resolução que aprovasse a proposta objeto da Audiência Pública nº 006/2007 não poderia ter sua validade questionada à luz da Resolução nº 433/03, porquanto o controle da validade de atos normativos deve ter como parâmetro atos que lhes sejam hierarquicamente superiores.

69. No entanto, as usinas térmicas teriam, no que diz respeito à vinculação entre disponibilidade e operação comercial, uma prerrogativa que nenhum outro agente sujeito a despacho centralizado detém.

70. Cumpre ter em perspectiva que à ANEEL foi cometida, pelo artigo 3º da Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, a atribuição de promover concorrência efetiva entre os agentes do setor e zelar pelo cumprimento da legislação de defesa da concorrência.

71. A finalidade colimada com a promoção da livre concorrência entre os agentes de um dado setor da economia e com o impedimento à concentração econômica consiste em “criar uma igualdade jurídica material e não meramente formal entre todos os agentes econômicos”, de maneira que a competitividade garanta preços módicos, “liberdade de escolha e informação mais abundante possível para o consumidor”.

72. A propósito, vale conferir o magistério de Tercio Sampaio Ferraz Junior:

“É este elemento comportamental – a competitividade – que define a livre concorrência. A competitividade exige, por sua vez, descentralização de coordenação como base da formação de preços, o que supõe livre iniciativa e apropriação privada dos bens de produção. Neste sentido, a livre concorrência é forma de tutela do consumidor, na medida em que competitividade induz a uma distribuição de recursos a mais baixo preço. De um ponto de vista político, a livre concorrência é garantia de oportunidades iguais a todos os agentes, ou seja, é uma forma de desconcentração de poder. Por fim, de um ângulo social, a competitividade deve gerar extratos intermediários entre grandes e pequenos agentes econômicos, como garantia de uma sociedade mais equilibrada.”

73. É sabido que, segundo definição aristotélica universalmente aceita, o princípio da igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.

74. A partir da concepção de que o princípio da igualdade convive com as diferenciações – e até mesmo as pressupõe –, difundiu-se o entendimento de que o estabelecimento de distinções, para não violar o princípio da igualdade, deve ser racionalmente justificável.

75. Nesse sentido, adverte o ministro Eros Grau que a distinção estabelecida por uma dada norma deve observar, entre outros fatores, o nexo lógico entre o objetivo perseguido e a discriminação que permitirá alcançá-lo:

“… pode, a lei — como qualquer outro texto normativo — sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações, a fim de conferir a um tratamento diverso do que atribui a outra. Para que possa fazê-lo, contudo, sem que tal violação se manifeste, é necessário que a discriminação guarde

compatibilidade com o conteúdo do princípio. […]

Dir-se-á, pois, que uma discriminação será arbitrária quando ‘não seja possível encontrar, para a diferenciação legal, alguma razão razoável que surja da natureza das coisas ou que, de alguma forma, seja concretamente compreensível’.

… E os seguintes fatores devem ser considerados: a) razoabilidade da discriminação, baseada em diferenças reais entre as pessoas ou objetos taxados; b) existência de objetivo que justifique a discriminação; c) nexo lógico entre o objetivo perseguido e a discriminação que permitirá alcançá-lo.”

76. Na espécie, a situação que determinou a apresentação da proposta objeto da Audiência Pública nº 006/2007 decorreu da circunstância de térmicas chamadas a gerar por ordem de mérito de custo não terem acatado o comando do ONS ao argumento de que não haveria gás natural.

77. Logo, caso se entenda que essa situação pode ser tomada como elemento legitimador de uma proposta para geração de térmicas fora da ordem de mérito, afigura-se inquestionável que essa proposta, para não se revelar ofensiva ao princípio da isonomia e, por conseguinte, ao princípio da livre concorrência, deve ter seu alcance restrito ao necessário para solucionar o problema verificado.

78. Portanto, a proposta não pode consistir em uma regra geral contempladora de toda e qualquer térmica, mas somente das térmicas existentes movidas a gás natural. Deve a proposta, ainda, ter vigência por um período reputado adequado para a solução do problema, ou seja, deve consistir em uma regra transitória, excepcional.”

 

 

c)        a influência de mecanismos subjacentes ao despacho e à formação de preços no comportamento dos agentes (mais especificamente o MRE e a CCC – conta de consumo de combustível[34]) pode levar à ineficiência da operação do sistema.

Quanto à questão do MRE (ver Nota de Rodapé no. 14), resultados históricos têm confirmado a não veracidade da tese proposta sobre a isonomia de participação dos geradores hidroelétricos (compulsória, ressalta-se).  Isto é, em função das características físicas da localização de algumas usinas e, em conseqüência, do regime hidrológico a que estão submetidas, a obrigatoriedade de fornecimento de energia ao MRE (a baixos preços) é praticamente constante (chegando a atingir 90% do tempo) enquanto que outras, pela mesma razão, beneficiam-se sobremaneira, adquirindo energia do MRE na maior parte das vezes.  A principal conseqüência é um desestímulo ao gerador fornecedor para manter a adequação e a eficiência do seu parque gerador, ainda que seja penalizado por isso.

Quanto à questão da formação de preços propriamente dita, entendemos que o preço da energia é um fator chave no despacho.  Assim, a cada momento, os geradores devem ser despachados por ordem de mérito, ou seja, somente os geradores com os menores custos variáveis devem estar gerando para atender à demanda.  Para que o despacho seja eficiente, o despachante necessita conhecer (e pagar) o custo variável de geração.  Na medida em que se permitem arranjos para resolver situações emergenciais (tal como citado no item (b)), os preços da energia no despacho em tempo real estarão cada vez mais descolados do PLD, além de contrariar a otimização energética indicada pelos dispositivos já analisados.

Além disso, ao se estabelecer que o cálculo do PLD seja feito com um despacho “ex-ante”, introduz-se uma distorção no valor da energia – não há vínculo com a situação em tempo real do sistema, a qual pode ser significativamente distinta.  Cita-se, em relação a isso, a não consideração das restrições elétricas intra-subsistemas no cálculo do PLD, que podem causar o despacho de usinas termoelétricas fora da ordem de mérito[35].

A congruência da Hipótese aventada com os Princípios Jurídicos que regem o Setor Elétrico.

No marco regulatório atual (entenda-se Lei no. 10.848/04 e Decreto no. 5.163/04) a definição do processo de formação do PLD indica claramente que:

  • os preços tenham alguma vinculação com o valor econômico da energia elétrica;
  • os preços tenham alguma vinculação com o custo marginal de operação

Note-se que, ao vincular o PLD ao custo marginal de operação, o dispositivo jurídico induz que exista uma relação com o despacho do sistema, porém não propriamente com o despacho em tempo real.  Fica a interpretação livre para se estabelecerem tais conexões: pode-se ou não vincular a formação de preços ao despacho em tempo real, o que, em ocorrendo, levaria o PLD a caracterizar-se como um preço spot de fato.

Tal liberdade levou o setor elétrico ao caminho mais conhecido: repetir processos do passado, calculando o PLD através de um modelo matemático conhecido e de forma centralizada.  Todavia, a recomendação de que os preços incorporem o valor econômico da energia acaba por permitir uma abertura para que a percepção dos agentes possa ser traduzida através de uma parcela componente desse mesmo preço.  Isto é, fazer com que o PLD se torne única e exclusivamente uma réplica do custo marginal de operação a menos da adoção de limites é reduzir significativamente as suas potencialidades como instrumento balizador do mercado de energia elétrica.

Citando SÁ (1999, p. 27) “[….] Acredito que na medida em que aumente o número de geradores privados, aumente a pressão para o término do MRE e consequentemente ocorra a mudança para um sistema de ofertas de preço de venda pelos geradores e ofertas de preço de compra pelos comercializadores (“loose pool”).”

A respeito desta frase, salienta-se que o Decreto no. 2655/1998 traz no seu Art. 13º., Inciso V (ver página 21) a recomendação de que o PLD incorpore no seu cálculo a redução voluntária da demanda em função do preço (“Art 13º. Para efeito de determinação dos preços da energia elétrica no mercado de curto prazo serão levados em conta os seguintes fatores […] V – a redução voluntária da demanda em função do preço de curto prazo; […]”).  Entretanto, não houve, no plano legal, qualquer alteração que determinasse a supressão daquele tipo de consideração.  Mais ainda: a nova redação legal desse tema pareceu abrir mais espaço, uma vez que a Lei 10.848/04 recomenda que as variações do valor econômico da energia elétrica sejam refletidas, conforme o texto a seguir: “Art 1º. § 5o Nos processos de definição de preços e de contabilização e liquidação das operações realizadas no mercado de curto prazo, serão considerados intervalos de tempo e escalas de preços previamente estabelecidos que deverão refletir as variações do valor econômico da energia elétrica, observando inclusive os seguintes fatores: […]”.  Salientam-se, ainda, as seguintes considerações: enquanto no Decreto no. 2655/98, Art 13º os incisos II a VI eram considerados na determinação do preço de curto prazo, a Lei no. 10.848/04, Art 1º. § 5º incorpora tais incisos, com exceção do V, na operação do sistema a priori.  Ora, ao se incorporarem as necessidades de energia dos agentes (inciso II) como um requisito na operação do sistema, dá-se margem a uma outra leitura: é possível se realizar um despacho comercial, onde os agentes definam suas necessidades de consumo, o que é significativamente distinto de se considerar tal requisito apenas na formação do preço.  Além disso, ao recomendar a lei que tanto o despacho como a formação do preço tenham presente tais quesitos (§ 4º e § 5º, Art 1º.), atribui-se um preço como resultado do despacho.  E, neste ponto, este preço não pode ser calculado antecipadamente, conforme o regulamento, uma vez que, neste caso, se referiria a um pré-despacho e não a um despacho.  Conclui-se assim que foi usada de forma ilegítima a discricionariedade administrativa que deu origem ao Art. 57º.

Nesse contexto observa-se ainda que, desde a sua criação, o PLD nunca incorporou ofertas de redução voluntária de demanda no seu cálculo, podendo-se inclusive afirmar que não cumpriu a recomendação dos regulamentos neste ponto.  Este é justamente um dos aspectos da visão econômica que se pleiteia, uma vez que um consumidor livre poderia exercer o seu direito de decidir quando consumir em função do preço[36].  De acordo com PEDROSA (2007), algumas vantagens de se revisar a formação do PLD:

“Cada consumidor conhece sua realidade, seu orçamento, sua capacidade de reduzir ou ampliar o consumo, seu potencial para usar outros energéticos, ou adotar outras formas de consumo.

Milhares de decisões individuais produzirão o bem coletivo com uma sinergia de enorme potencial, que aumenta a produtividade do País – único caminho efetivo para o aumento da renda”

[…] O racionamento no Brasil comprovou que sinais econômicos funcionam no setor elétrico e que a reação dos consumidores a sinais de preço é possível e desejável.

[…] Sinais de preço e liberdade para assumir riscos promovem a pulverização e a descentralização das decisões de investimento, produção e consumo, ampliando a inovação e a eficiência dos mercados.

Os preços formados por modelos matemáticos deverão ser aperfeiçoados para melhor refletir a realidade e evoluir para preços formados pela expectativa dos agentes.”

Finalmente, vale lembrar que já existem inúmeras referencias nacionais sobre o desenvolvimento de novas abordagens para a formação do preço de curto prazo no Brasil, indicando a premência deste assunto (BARROSO et. al, 2006), (VEIGA et. al, 2005).

Seção V – Conclusões

A conclusão principal a que se chega neste trabalho é estampada na seção anterior e pode ser reproduzida como um “somatório” de conclusões parciais:

  • Considerando que, por suas configurações técnico-econômicas, o sistema elétrico brasileiro necessita de um despacho centralizado (Seção II);
  • Considerando que a Lei não determina que o despacho centralizado seja conformado de modo técnico, podendo-se adotar também elementos comerciais para alcançar-se a otimização da operação energética (Seção III);
  • Considerando que as regras (legais ou regulamentares) que comandam especificamente o mecanismo de formação do PLD não determinam uma automática e exaustiva vinculação do aspecto comercial (preço de curto prazo) com aquele operacional (despacho, que sequer deve necessariamente ter a configuração de tight pool, cfe. acima) e que, positivamente, dispõem que em tal formação seja levado em conta a variação econômica do valor da energia e , inclusive, a redução voluntária da demanda (Seção IV), parece possível sustentar-se que

À luz das regras legais pertinentes, é possível levar-se em consideração o comportamento econômico dos agentes de mercado na formação do PLD.

Note-se, por fim, que, uma vez estabelecida a possibilidade jurídica de tal inclusão, este trabalho deveria ser complementado com uma mais precisa definição do que se entende por “comportamento de mercado” e de uma mais robusta justificação econômica para sua adoção na formação do PLD.  Vale dizer: no presente trabalho, procurou-se apenas mostrar que há espaço legal para tal hipótese e que, em linhas gerais, esse “novo” componente está de acordo não só com as normas específicas, mas também com os princípios que orientam o modelo do setor elétrico atual.

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Brasil. Decreto no 4.562, de 31 de dezembro de 2002. Estabelece normas gerais para celebração, substituição e aditamento dos contratos de fornecimento de energia elétrica; para tarifação e preço de energia elétrica; dispõe sobre compra de energia elétrica das concessionárias de serviço público de distribuição; valores normativos; estabelece a redução do número de submercados; diretrizes para revisão da metodologia de cálculo das Tarifas de Uso do Sistema de Transmissão – TUST, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, seção 1, p.3, v. 139, n. 252-B, disponível no site: www.aneel.gov.br.

Brasil. Decreto no 5.081, de 14 de maio de 2004. Regulamenta os arts. 13 e 14 da Lei 9.648 de 27.05.1998, e o art. 23 da Lei 10.848 de 15.03.2004, que tratam do Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS, e revoga o art. 25 do Decreto 2.655 de 02.07.1998. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, seção 1, p.1, v. 141, n. 93, disponível no site: www.aneel.gov.br.

Brasil. Decreto. no 5.163, de 30 de julho de 2004. Regulamenta a comercialização de energia elétrica, o processo de outorga de concessões de autorizações de geração de energia elétrica, e dá outras providências. Diário Oficial Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, seção 1, p.1, v. 141, n. 164-A, disponível no site: www.aneel.gov.br.

Brasil. Lei no 9.074, 7 de julho de 1995. Estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, seção 1, p.6, disponível no site: www.aneel.gov.br.

Brasil. Lei no 9.648, 27 de maio de 1998. Altera dispositivos das Leis nº 3.890-A, de 25 de abril de 1961, nº 8.666, de 21 de junho de 1993, nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, nº 9.074, de 07 de julho de 1995, nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, autoriza o Poder Executivo a promover a reestruturação da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – ELETROBRÁS e de suas subsidiárias e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, seção 1, p.1, v. 136, disponível no site: www.aneel.gov.br.

Brasil. Lei no 10.438, 26 de abril de 2002. Dispõe sobre a expansão da oferta de energia elétrica emergencial, recomposição tarifária extraordinária, cria o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA), a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), dispõe sobre a universalização do serviço público de energia elétrica, dá nova redação às Leis nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, nº 9.648, de 27 de maio de 1998, nº 3.890-A, de 25 de abril de 1961, nº 5.655, de 20 de maio de 1971, nº 5.899, de 5 de julho de 1973, nº 9.991, de 24 de julho de 2000, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, seção 1, p.1, v. 139, n 89-A, disponível no site: www.aneel.gov.br.

Brasil. Lei no 10.604, de 17 de dezembro de 2002. Dispõe sobre recursos para subvenção a consumidores de energia elétrica da Subclasse Residencial Baixa Renda; sobre os contratos de compra e venda, e os de fornecimento de energia elétrica, dá nova redação aos artigos 27 e 28 da Lei 10.438 de 26.04.2002, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, seção 1, p.2, v. 139, n 244, disponível no site: www.aneel.gov.br.

Brasil. Lei no 10.848, 15 de março de 2004. Dispõe sobre a comercialização de energia elétrica, altera as Leis 5.655 de 20.05.1971, 8.631 de 04.03.1993, 9.074 de 07.07.1995, 9.427 de 26.12.1996, 9.478 de 06.08.1997, 9.648 de 27.05.1998, 9.991 de 24.07.2000, 10.438 de 26.04.2002, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, seção 1, p.2, v. 1541, n. 51, disponível no site: www.aneel.gov.br.


[1]Existem algumas usinas, de menor porte, que não estão conectadas à malha principal do sistema e não são operadas de forma centralizada.

[2] Como conseqüência da diversidade hidrológica do país, comentada anteriormente, e da necessidade de otimizar a produção de energia, o território brasileiro é interligado eletricamente através da rede básica (RB), que é a malha principal do sistema elétrico brasileiro, composta por aproximadamente 80.000 quilômetros de linhas de transmissão de alta tensão, cuja tensão varia de 230 a 765 kV, em corrente alternada.  A transmissão em corrente contínua é realizada em dois bipolos (600 kV), com extensão de 900 km, que conectam a usina Itaipu à rede básica.  Em termos de conexões internacionais, destaca-se a interligação com a Argentina (2.200 MW).

[3] Essas usinas não contribuem para a formação do preço de curto prazo por uma questão metodológica.

[4] As restrições nas interligações entre os submercados fazem com que a troca de energia entre as regiões seja limitada e, portanto, a energia passa a ter valor distinto entre duas regiões, levando a valores diferentes de PLD entre as mesmas.

[5] O despacho em tempo real é coordenado pelo CNOS – Centro Nacional de Operação do Sistema (pertencente ao ONS), que supervisiona as atividades dos Centros de Operação Regionais, os quais atuam diretamente no despacho das usinas sob sua jurisdição.

[6] O texto original traz “unit commitment” que significa a programação por unidade ou a definição da quantidade que cada máquina vai produzir

[7] Excepcionalmente a energia proveniente de geração distribuída, PROINFA, Itaipu Binacional, e contratações pré-existente (até março/2004), não precisam ser adquiridas via leilão.

[8] Além das empresas concessionários de serviço público de geração, duas outras figuras jurídicas exercem a atividade de geração no Brasil: os produtores independentes (PIE) e os auto-produtores.

[9] De acordo com Steven Stoft “existem duas formas básicas de estabelecer arranjos comerciais entre compradores e vendedores. Podem negociar diretamente, um comprador e um vendedor fazendo um arranjo “bilateral”, ou supridores podem vender os seus produtos para um intermediário que vende para os consumidores finais (estrutura “pool” ou mercado mediado).  Ambos os tipos de mercado, bilaterais ou mediados, trazem em si características de mercados bilaterais menos organizados porém com algumas semelhanças” (STOFT, 2002, trad. por : autores).

[10] As tarifas de uso do sistema de transmissão (TUST) são estabelecidas pela ANEEL baseadas no custo de investimento no sistema de transmissão e a localização de cada ponto na cadeia de produção e consumo.

[11] Despacho por ordem de mérito: o operador do sistema “empilha” as declarações de preço do mais barato para o mais caro, procurando viabilizar o atendimento à demanda ao mínimo custo.  Esse despacho pode, em alguns casos, conter ofertas de redução de demanda (denominado “demand side bidding”).

[12] Procedimento de Rede ONS – Submódulo VII (OPERADOR NACIONAL DO SISTEMA ELÉTRICO, 2002).

[13] Pode-se pensar, no caso brasileiro, que a primeira liquidação ocorre bilateralmente (entre os signatários dos contratos do ACL/ACR) e que a segunda liquidação (a das diferenças) ocorre na CCEE, ainda que com preço previsto e não do mercado em tempo real.

[14] O MRE foi instituído pela Lei no. 9648/1998 no seu Art. 14, § 1º item b), conforme segue o texto original: “Art. 14. Cabe ao poder concedente estabelecer a regulamentação do MAE, coordenar a assinatura do Acordo de Mercado pelos agentes, definir as regras da organização inicial do Operador Nacional do Sistema Elétrico e implementar os procedimentos necessários para o seu funcionamento.  § 1º A regulamentação prevista neste artigo abrangerá, dentre outros, os seguintes aspectos: … b) a definição de mecanismo de realocação de energia para mitigação do risco hidrológico;” (grifo nosso).  Citando César Sá (2001, p. 31) “o mecanismo de realocação de energia foi criado para funcionar como uma proteção aos geradores participantes (principalmente hidráulicos), contra variações de seus montantes energia gerada, por conta da volatilidade das afluências e do despacho centralizado (otimização do sistema)”[…]”Independente de quanto uma central está gerando, ela recebe um crédito no MAE proporcional à sua energia assegurada e à sua energia efetivamente gerada. Existe assim um movimento de energia entre os geradores, que na média (ao considerar diversas situações hidrológicas), faz com que todos possam comercializar sua energia assegurada. As transações entre geradores relativas à conta MRE são liquidadas com uma tarifa reduzida, que é suficiente para cobrir os custos variáveis de operação das centrais participantes”[   ]”O princípio básico de rateio dos benefícios globais do sistema é a divisão de toda a energia excedente (secundária, superior à energia assegurada) entre todas as centrais participantes do “Clube” do MRE.  Metade do excedente é apropriado pelas usinas que estiverem efetivamente gerando acima de sua energia assegurada e a outra metade é dividida por todas as centrais”[…]”A instituição do MRE é decorrente da conclusão (na época do Projeto RE-SEB) que seria praticamente impossível que os geradores hidráulicos encontrassem essa proteção apenas através de contratos com geradores térmicos (fosse pela pequena proporção que esses apresentam no sistema brasileiro atualmente, quer pela pouca maturidade do modelo de comercialização proposto)”.

[15] Neste caso, seria quase um preço de mercado de futuros (com uma semana de antecedência).

[16] A teoria microeconômica supõe que, sob condições perfeitas de mercado, os preços tendem aos custos marginais de curto prazo. O custo marginal é a alteração no custo total de produção advinda da variação de uma unidade da quantidade produzida; economicamente o ponto de equilíbrio entre a curva de oferta e demanda de um produto define o preço marginal de um sistema. Todavia, existe uma série de questionamentos sobre as características do custo marginal em sistemas elétricos, como o fato de não ser contínuo o que invalida parcialmente a tese de que o custo marginal é igual ao custo da última unidade de energia produzida (STOFT, 2002, cap. 1-6).

[17] O Artigo 1º. da Resolução Aneel no 334/2000 autoriza a CCEE a utilização dessa ferramenta.

[18] Os limites do Custo Marginal de Operação foram regulamentados pelo Decreto no. 5163/04, no seu Art. 57 § 2º. e  3º: “2º O valor máximo do PLD, a ser estabelecido pela ANEEL, será calculado levando em conta os custos variáveis de operação dos empreendimentos termelétricos disponíveis para o despacho centralizado. § 3º O valor mínimo do PLD, a ser estabelecido pela ANEEL, será calculado levando em conta os custos de operação e manutenção das usinas hidrelétricas, bem como os relativos à compensação financeira pelo uso dos recursos hídricos e royalties.”

[19] Tais princípios só se concretizam na medida em que se garante um marco regulatório estável (com a redefinição do papel do Executivo), uma vez que novos investimentos (para a expansão do sistema) necessitam de regras bem definidas e estáveis.

[20] O arcabouço jurídico para a formação dos preços de longo e médio prazos se encontra estabelecido na Lei no. 10.848/04, sobretudo nos seus Arts. 1º (§ 1º, 2º e 3º); 2º, 3º., Art. 8º., 9º., 11º., 13º, 16º., 17º., e 26º; e regulamentado pelo Decreto no. 5163/04, principalmente nos Arts. 1º; 3º; 7º; 9º., 10º.; 11º. (§ 3º); 15º.; 16º. ao 21º, 28º., 29º., 32º., 34º., 35º., 47º., 54º.,

[21] A importância do ACL tem aumentado de forma tão significativa que alguns geradores privados chegam a destinar até 55% das suas vendas de energia a esse mercado.  Existem atualmente em torno de 550 grandes consumidores aptos a adquirir energia no ACL.  Isto representa aproximadamente 25% do total de energia elétrica comercializada no Brasil.  Grandes são as expectativas de que esse mercado venha a crescer ainda mais nos próximos anos devido, principalmente, aos programas governamentais que sinalizam uma maior flexibilidade nesse sentido (como por exemplo, a comercialização da energia proveniente de fontes incentivadas).  Além de uma diversificação de portfolio, a participação no mercado livre traz ao vendedor certo aprendizado (maior agilidade em negociações, ótica diferenciada do comportamento do mercado de energia, etc), característico deste ambiente.

[22] Resolução da Aneel no. 237/2006: “…Art. 2o Com a prévia aprovação do ONS, o agente de geração poderá gerar energia fora da ordem de mérito de custo de modo a compensar eventuais indisponibilidades futuras […]§ 2o A geração citada no caput e o armazenamento adicional dela decorrente não serão considerados pelo ONS nos modelos de otimização eletroenergética.”.

[23]O Art 27 referenciado no Art.28 possui a seguinte redação: “Art. 27. As concessionárias e autorizadas de geração sob controle federal, estadual e municipal poderão comercializar energia elétrica na forma prevista nos arts. 1º e 2º da Medida Provisória nº 144, de 11 de dezembro de 2003.” (Redação dada pela Lei nº 10.848, de 15.03.2004) [..]§ 4º A energia elétrica das concessionárias de geração de serviço público sob controle societário dos Estados será comercializada de forma a assegurar publicidade, transparência e igualdade de acesso aos interessados. “§ 5º As concessionárias de geração de que trata o “caput” poderão comercializar energia elétrica conforme regulamento a ser baixado pelo Poder Executivo nas seguintes formas:” (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 10.604, de 17.12.2002) “I – leilões exclusivos para consumidores finais ou por estes promovidos;”(Redação dada pela Lei nº 10.848, de 15.03.2004) (Inciso acrescentado pela Lei nº 10.604, de 17.12.2002); “II – aditamento dos contratos que estejam em vigor na data publicação desta Lei, devendo a regulamentação estabelecer data limite e período de transição para a vigência deste aditivo; e” (Inciso acrescentado pela Lei nº 10.604, de 17.12.2002); “III – outra forma estabelecida na regulamentação.”(Inciso acrescentado pela Lei nº 10.604, de 17.12.2002); “§ 6º As concessionárias e autorizadas de geração sob controle federal, estadual ou municipal poderão negociar energia por meio de:”(Redação dada pela Lei nº 10.848, de 15.03.2004) (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 10.604, de 17.12.2002); “I – leilões previstos no art. 2º da Lei nº 10.604, de 17 de dezembro de 2002, observado o disposto no art. 30 da Lei que resultou da conversão da Medida Provisória nº 144, de 11 de dezembro de 2003; ou” (Inciso acrescentado pela Lei nº 10.848, de 15.03.2004); “II – leilões de ajuste previstos no § 3º do art. 2º da Lei que resultou da conversão da Medida Provisória nº 144, de 11 de dezembro de 2003.”; (Inciso acrescentado pela Lei nº 10.848, de 15.03.2004) […]”§ 8º As concessionárias de geração de serviço público sob controle federal ou estadual que atuem nos sistemas elétricos isolados poderão firmar contratos de compra e venda de energia elétrica, por modalidade diversa dos leilões previstos neste artigo, com o objetivo de contribuir para garantia de suprimento dos Estados atendidos pelos sistemas isolados.”(Parágrafo acrescentado pela Lei nº 10.848, de 15.03.2004) Nota:Artigo regulamentado pelo Decreto nº 4.562, de 31.12.2002.”

[24] Em outras palavras, a energia gerada (ou resultante do MRE, no caso das usinas hidráulicas, conforme já comentado) por um agente é comparada à quantidade vendida (contratos futuros);  caso seja exatamente a mesma, sua contabilização é nula; caso contrário, a diferença é liquidada ao preço PLD (como se o produtor comprasse o montante que não gerou ou vendesse o seu excedente no mercado de curto prazo); o mesmo vale para o agente de consumo – caso sua demanda seja maior que o valor por ele contratado, deve adquirir energia no mercado de curto prazo; caso contrário, vende o excesso ao valor do PLD.

[25] Lei no. 9.648/1998 (redação original). “Art. 14. Cabe ao poder concedente estabelecer a regulamentação do MAE, coordenar a assinatura do Acordo de Mercado pelos agentes, definir as regras da organização inicial do Operador Nacional do Sistema Elétrico e implementar os procedimentos necessários para o seu funcionamento.  § 1º A regulamentação prevista neste artigo abrangerá, dentre outros, os seguintes aspectos: a) o processo de definição de preços de curto prazo; b) a definição de mecanismo de realocação de energia para mitigação do risco hidrológico; c) as regras para intercâmbios internacionais; d) o processo de definição das tarifas de uso dos sistemas de transmissão; e) o tratamento dos serviços ancilares e das restrições de transmissão; f) os processos de contabilização e liquidação financeira.  Este artigo tem sua redação alterada pela primeira vez (pela Lei no. 10.433/2002, Art. 5º) para “Art. 14. Cabe ao poder concedente estabelecer a regulamentação do MAE, definir as regras da organização inicial do Operador Nacional do Sistema Elétrico e implementar os procedimentos necessários para o seu funcionamento.  Parágrafo único….”(§ 1º da redação original).  Com o advento da Lei no. 10.848/04, este artigo é totalmente alterado e passa a tratar exclusivamente do ONS (a Lei no. 10.433 é revogada pelo marco regulatório).  O mesmo tipo de comando é repetido no Art. 1º. da Lei no. 10.848/04: Art. 1º. A comercialização de energia elétrica entre concessionários, permissionários e autorizados de serviços e instalações de energia elétrica, bem como destes com seus consumidores, no Sistema Interligado Nacional – SIN, dar-se-á mediante contratação regulada ou livre, nos termos desta Lei e do seu regulamento, o qual, observadas as diretrizes estabelecidas nos parágrafos deste artigo, deverá dispor sobre: I – condições gerais e processos de contratação regulada; II – condições de contratação livre; III – processos de definição de preços e condições de contabilização e liquidação das operações realizadas no mercado de curto prazo; IV – instituição da convenção de comercialização; V – regras e procedimentos de comercialização, inclusive as relativas ao intercâmbio internacional de energia elétrica; VI – mecanismos destinados à aplicação do disposto no art. 3º, inciso X, da Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, por descumprimento do previsto neste artigo; VII – tratamento para os serviços ancilares de energia elétrica e para as restrições de transmissão; VIII – mecanismo de realocação de energia para mitigação do risco hidrológico; IX – limites de contratação vinculados a instalações de geração ou à importação de energia elétrica, mediante critérios de garantia de suprimento; X – critérios gerais de garantia de suprimento de energia elétrica que assegurem o equilíbrio adequado entre confiabilidade de fornecimento e modicidade de tarifas e preços, a serem propostos pelo Conselho Nacional de Política Energética – CNPE; e  XI – mecanismos de proteção aos consumidores.”

[26] Importante salientar que o decreto não especifica qual o tipo do fator de perdas a ser empregado.  Se é um valor previsto (ex-ante) ou um valor resultante do próprio despacho (portanto, verificado ou “ex-post”).  Em sendo previsto, a vinculação com o despacho em tempo real é mais fraca do que no caso de ser o fator de perdas verificado (a derivação, neste caso, é direta).

[27] O parágrafo 4referenciado será objeto de análise do próximo item.

[28] Esta recomendação já estava presente no Decreto no. 2655/98 no seu Art. 14º., citado na pág 20.

[29]  Lei no. 9.648/98 (redação alterada em negrito): “Art. 13.  As atividades de coordenação e controle da operação da geração e da transmissão de energia elétrica, integrantes do Sistema Interligado Nacional – SIN, serão executadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS, pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, mediante autorização do Poder Concedente, fiscalizado e regulado pela ANEEL, a ser integrado por titulares de concessão, permissão ou autorização e consumidores que tenham exercido a opção prevista nos arts. 15 e 16 da Lei no 9.074, de 7 de julho de 1995, e que sejam conectados à rede básica. Parágrafo único.  Sem prejuízo de outras funções que lhe forem atribuídas pelo Poder Concedente, constituirão atribuições do ONS:  a) o planejamento e a programação da operação e o despacho centralizado da geração, com vistas a otimização dos sistemas eletroenergéticos interligados; b) a supervisão e coordenação dos centros de operação de sistemas elétricos; c) a supervisão e controle da operação dos sistemas eletroenergéticos nacionais interligados e das interligações internacionais; d) a contratação e administração de serviços de transmissão de energia elétrica e respectivas condições de acesso, bem como dos serviços ancilares; e) propor ao Poder Concedente as ampliações das instalações da rede básica, bem como os reforços dos sistemas existentes, a serem considerados no planejamento da expansão dos sistemas de transmissão; f) propor regras para a operação das instalações de transmissão da rede básica do SIN, a serem aprovadas pela ANEEL.”

[30]Decreto no. 5081/04, conforme se segue: “Art. 2º No desenvolvimento de suas atividades, o ONS atenderá às disposições constantes deste Decreto, de seu Estatuto Social, às demais regulamentações da Lei nº 10.848, de 15 de março de 2003, no que for aplicável, e às normas complementares editadas pela ANEEL.  Art. 3º Sem prejuízo de outras funções atribuídas pelo Poder Concedente, constituirão atribuições do ONS, a serem exercidas privativamente pela Diretoria: I – o planejamento e a programação da operação e o despacho centralizado da geração, com vistas à otimização do Sistema Interligado Nacional – SIN; II – a supervisão e a coordenação dos centros de operação de sistemas elétricos, a supervisão e o controle da operação do SIN e das interligações internacionais; III – a contratação e a administração de serviços de transmissão de energia elétrica e as respectivas condições de acesso, bem como dos serviços ancilares;IV – a proposição ao Poder Concedente das ampliações de instalações da Rede Básica, bem como de reforços do SIN, a serem considerados no planejamento da expansão dos sistemas de transmissão; V – a proposição de regras para a operação das instalações de transmissão da Rede Básica do SIN, mediante processo público e transparente, consolidadas em Procedimentos de Rede, a serem aprovadas pela ANEEL, observado o disposto no art. 4, § 3, da Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996;VI – a divulgação dos indicadores de desempenho dos despachos realizados, a serem auditados semestralmente pela ANEEL. § 1º Para a realização das atribuições tratadas no caput, o ONS deverá, entre outros: I – manter acordo operacional com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica -CCEE de que trata o art. 4º da Lei nº 10.848, de 2004, visando ao estabelecimento das condições de relacionamento técnico-operacional entre as duas entidades, para o desenvolvimento das atividades que lhes competirem, naquilo que for cabível; II – manter acordo operacional com a Empresa de Pesquisa Energética – EPE, com a finalidade de prover elementos e subsídios necessários ao desenvolvimento das atividades relativas ao planejamento do setor elétrico, nos termos da Lei nº 10.847, de 15 de março de 2004.”

[31] E aqui não se discute o mérito da supremacia quase completa dessas ferramentas à larga experiência profissional de muitos técnicos do Setor Elétrico, as quais indicam, por vezes, resultados contestáveis.

[32] A CCEE mantém um procedimento de auditoria rigoroso no SCL – Sistema de Contabilização e Liquidação, porém não no que se refere ao modelo de cálculo de preços.  Tampouco o realiza o ONS quanto aos modelos de despacho.  Ao contrário, por se tratarem de ferramentas complexas, estabelecem-se grupos de trabalho de discussão onde são realizados testes de funcionamento dos modelos, liderados pelas próprias instituições, sem a presença de auditores independentes.

[33] “Art. 2o “Com a prévia aprovação do ONS, o agente de geração poderá gerar energia fora da ordem de mérito de custo de modo a compensar eventuais indisponibilidades futuras […].§ 2o A geração citada no caput e o armazenamento adicional dela decorrente não serão considerados pelo ONS nos modelos de otimização eletroenergética..“

[34] A Conta de Consumo de Combustiveis (CCC) foi instituída pela Lei nº 5.899/1973, e regulamentada pelo Decreto nº 73.102/ 1973.  Os critérios de rateio foram estabelecidos pela Lei nº 8.631/1993 e regulamentados pelo Decreto nº 774/1993.  A legislação atual estabelece a continuidade da CCC até 2013 (Resolução Aneel 245/1999).  A CCC é um encargo cobrado nas tarifas de distribuição, pago pelos concessionários de distribuição e transmissão de energia elétrica para cobrir os custos anuais de geração termelétrica, principalmente da região Norte e em áreas não interligadas (sistemas isolados), onde os consumidores não têm acesso a energia proveniente de fontes mais baratas (ex: hidrelétricas). A energia oriunda de usinas beneficiadas pela CCC custam aproximadamente três a quatro vezes mais do que a energia de origem hídrica.  A CCC foi pensada para promover o principio da modicidade tarifária em regiões desprovidas de infra-estrutura energética eficiente e com alto indíce de individuos de baixa renda.  Na prática, porém, desestimula o aperfeiçoamento tecnológico do processo de geração nessas regiões, pois garante remuneração continua aos geradores que utilizam combustiveis de elevado custo (óleo diesel).

[35] Este fato tem sido compensado com mais um artifício de rateio de ônus e benefícios, a saber, a conta de encargos de serviços do sistema (paga pelo consumidor final), a qual engloba, além do pagamento dos serviços ancilares e reserva, o ressarcimento aos geradores termoelétricos.

[36] A prática da redução voluntária da demanda é também chamada de Gerenciamento pelo Lado da Demanda ou, internacionalmente, de Demand Side Management ou Demand Side Bidding.

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